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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Primavera




A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.
A inclinação do sol vai marcando outras sombras;
E os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra,
nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes
e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa,
como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as
árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas
apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não
se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as
amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram
pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas
de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega,
coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços
carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a
terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens
terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes
deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão
outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os
ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.


Cecília Meireles

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