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domingo, 28 de junho de 2009

Eternamente



E escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, mas todo o mês de Março nos arrastamos na despedida, como caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas do céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abobadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitetos e até teias de aranha suspensas no teto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na sua teia, contemplamos-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar os anos, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmos livros que fui lendo, repetidamente. Heathcliff e Catarina Linton destroçados outra vez pela minúcia do tempo.
Como explicar-te como tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penélope alguma desfará de noite a teia que te teceste.
E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor da tremocilha e das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais noturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.
E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhamos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes paramos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhamos o céu e interrogamos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas ilusões de que tudo podia ser meu pra sempre.


Conto extraído do livro “Não te deixarei morrer, David Crocket” de
Miguel Sousa Tavares

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Wladyslaw Szpilman



Władysław Szpilman - El Pianista



Wladyslaw Szpilman playing Chopin Nocturne op. 20



'Ballade no. 1 in G Minor, op 23' 'The Pianist'

Władysław Szpilman



Władysław Szpilman
Nasceu em Sosnowiec, 5 de Dezembro de 1911 — e faleceu em Varsóvia, 6 de Julho de 2000, foi um pianista judeu-polonês.

Nascido numa família judaica, trabalhou em Varsóvia como pianista para a rádio polaca (onde conheceu uma cantora e o seu marido ator) até à invasão da Polônia pela Alemanha em 1939. Com a Alemanha nazista estabelecendo o gueto de Varsóvia, ele foi forçado a instalar-se ali com a família, tal como todos os que eram de ascendência judaica. Continuou a trabalhar ali, como pianista, num restaurante.

Permaneceu no gueto até a população judaica do mesmo ser conduzida aos campos de concentração, refugiando-se junto da cantora e seu marido. Foi para dois outros esconderijos após o local ter sido descoberto. Após o amenizar da guerra, residiu em prédios abandonados.

Em 1945, pouco depois do fim da guerra, escreveu um relato da sua sobrevivência em Varsóvia. O livro foi publicado na Polônia, com o título 'Śmierć Miasta', «Morte de uma Cidade». O livro foi fortemente censurado pelas autoridades comunistas, descontentes com a sua perspectiva da guerra, e o número de cópias impressas foi reduzido.



Após a guerra, Szpilman prosseguiu a sua carreira musical, tornando-se um dos mais produtivos compositores judeus.



As memórias de Szpilman não foram reimpressas senão cinqüenta anos depois, em 1998, ano em que foram publicadas em inglês (e muitas outras línguas) com o título O Pianista. Em 2002 foi produzido um filme baseado na sua obra, também de nome O Pianista, pelo realizador Roman Polanski, com Adrien Brody interpretando Szpilman, papel que lhe rendeu o Oscar para Melhor Ator Principal nesse ano.


Fotografias que me encantam!