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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Voeu



Si j'étais la feuille que roule
L'aile tournoyante du vent,
Qui flotte sur l'eau qui s'écoule,
Et qu'on suit de l'oeil en rêvant ;

Je me livrerais, fraîche encore,
De la branche me détachant,
Au zéphyr qui souffle à l'aurore,
Au ruisseau qui vient du couchant.

Plus loin que le fleuve, qui gronde,
Plus loin que les vastes forêts,
Plus loin que la gorge profonde,
Je fuirais, je courrais, j'irais !

Plus loin que l'antre de la louve,
Plus loin que le bois des ramiers,
Plus loin que la plaine où l'on trouve
Une fontaine et trois palmiers ;

Par delà ces rocs qui répandent
L'orage en torrent dans les blés,
Par delà ce lac morne, où pendent
Tant de buissons échevelés ;

Plus loin que les terres arides
Du chef maure au large ataghan,
Dont le front pâle a plus de rides
Que la mer un jour d'ouragan.

Je franchirais comme la flèche
L'étang d'Arta, mouvant miroir,
Et le mont dont la cime empêche
Corinthe et Mykos de se voir.

Comme par un charme attirée,
Je m'arrêterais au matin
Sur Mykos, la ville carrée,
La ville aux coupoles d'étain.

J'irais chez la fille du prêtre,
Chez la blanche fille à l'oeil noir,
Qui le jour chante à sa fenêtre,
Et joue à sa porte le soir.

Enfin, pauvre feuille envolée,
Je viendrais, au gré de mes voeux,
Me poser sur son front, mêlée
Aux boucles de ses blonds cheveux ;

Comme une perruche au pied leste
Dans le blé jaune, ou bien encor
Comme, dans un jardin céleste,
Un fruit vert sur un arbre d'or.

Et là, sur sa tête qui penche,
Je serais, fût-ce peu d'instants,
Plus fière que l'aigrette blanche
Au front étoilé des sultans.

Victor Hugo
(1802-1885)
Recueil : Les orientales

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Primavera




A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.
A inclinação do sol vai marcando outras sombras;
E os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra,
nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes
e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa,
como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as
árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas
apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não
se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as
amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram
pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas
de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega,
coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços
carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a
terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens
terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes
deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão
outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os
ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.


Cecília Meireles

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Senhora das Flores


(Uma cronica de Fernando Campanella)


Está agendado lá no calendário: dia 22 de setembro de 2009, precisamente às 18h19, ela chega, a senhorinha das flores. Vem um pouco adiantada neste ano, visto que oficialmente deveria aparecer no dia 23 de setembro.

É uma senhora vetusta, mas obstinada e dura na queda, sempre atuante entre os equinócios de primavera e os solstícios de verão. Tão velhinha, sim, porém sempre aprumada, aromática, a trazer no rosto, por sobre as espessas rugas, um mais suave tom em carmim.

Tão prestimosa, não obstante a concreta frieza das cidades e a dureza dos homens.

Tão dinâmica, um espetáculo de vitalidade e vibração, colocando muitos jovens no chinelo. Nem bem chega e já derrama as chuvas, põe a trabalhar os campos e os jardins. Guarnece os caminhos e os canteiros de margaridinhas, gérberas, jasmins, manacás... Espeta as abelhas e as borboletas preguiçosas. Espanta os filhotes de pássaros das cornijas, instruindo-os a voar.

E tão invasiva, essa anciã: escancara minhas janelas, arregaça minhas mangas, botando -me a espanar as teias, a varrer as folhas residuais do inverno. E ainda faz mote de meus ares introspectivos, de minha ficção outonal.

No dia 22, às 18h19, pois, ela chega, deliciosamente incômoda, assertiva, anunciando que com ela não tem tempo frio, nem árvores secas.

E novamente trará seu antigo, imenso barco onde me acomodará. Içará então as velas, e com seu invejável fôlego me tornará redivivo, despachando-me para mares do sul com seus luminosos jardins de coral.


Fernando Campanella

Feliz Ano 5.770 !!!



Minhas sinceras homenagens a todo povo judeu, Feliz Ano 5.770,
שתהיה לך שנה מתוקה נפלאה ומלאה בדברים טובים

שנה טובה

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Despedida


(Uma cronica de Rubem Braga)

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Rubem Braga
Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Henry David Thoreau



(...) O sol se põe em algum prado remoto, onde nenhuma casa é visível, com toda a glória e todo o esplendor para brindar as cidades; e talvez como nunca tenha se posto antes, onde apenas um gavião-do-pântano solitário tem suas asas douradas por ele, ou apenas um rato almiscarado espia de sua cabana, e existe um pequeno riacho de veios negros no meio do banhado, apenas começando a serpentear, contornando lentamente um toco de árvore em decomposição. Caminhamos numa luz tão pura e tão brilhante, dourando a grama e as folhas murchas, tão suave e serenamente brilhantes, que pensei que nunca havia me banhado numa torrente tão dourada, sem um marulho ou murmúrio. O lado oeste de cada bosque e terreno luzia como a fronteira do Elísio; e o sol em nossas costas parecia como um gentil pastor nos levando para casa ao cair da tarde.
E assim caminharemos em direção à Terra Santa, até que um dia o sol reluzirá com mais brilho do que nunca, reluzirá em nossas mentes e corações e acenderá todas as nossas vidas com um grande clarão do despertar,tão cálido, sereno e dourado como sobre a margem de um rio no outono.


Henry David Thoreau
Excerto de "Caminhando"
Tradução de Roberto Muggiati