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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ano Novo Cristão



A todos amigos do blogger,
desejo um 2.010
pleno de Realizações,Saúde e Paz!

Maria Madalena

My Dead



“Only the dead don’t die”

Only they are left me, they are faithful still
whom death’s sharpest knife can no longer kill.

At the turn of the highway, at the close of day
they silently surround me, they quietly go my way.

A true pact is ours, a tie time cannot dissever.
Only what I have lost is what I possess forever.

Rachel Bluwstein
(Russia 1.890,Tel Aviv in 1.931)


‘Só os mortos não morrem’

Só eles a mim me restam, são tranquilos e leais
os que a morte não pode matar mais com seus punhais.

Ao declinar da estrada, no final do dia
em silêncio se acercam, em sossego seguem minha via.

Verdadeiro pacto é o nosso, nó que o tempo não desmente.
Só aquilo que perdi é meu eternamente.

Rahel Bluwstei, 1890 – 1931.
Tradução de Nuno Guerreiro Josué

sábado, 19 de dezembro de 2009

Vieira Calado, um poeta especial.



José Vieira Calado é poeta português, com vários livros publicados. Reside na bela cidade de Lagos - Algarve / Portugal.

Alem de Poeta, é também professor de inglês e Português, reformado. Tem atualmente 15 livros de poesia, dois de prosa e um Ensaio.

O escritor, além da atividade poética, interessa-se por astronomia e escreve artigos voltados para a temática, em seu blog “Astronomia Algarve”.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Minha’alma é triste



Mon coeur est plein - je veux pleurer!
(Lamartine)

I

Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como a rola que perdeu o esposo,
Minh’alma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.

E como as notas de chorosa endeixa*
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.

Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minh’alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio.

Dizem que há gozos nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
– Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei por que – mas a minh’alma é triste!

II

Minh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria;
E doce e grave qual no templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.

Se passa um bote com as velas soltas,
Minh’alma o segue n’amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.

Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh’alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!

E como a rola que em sentida queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minh’alma em notas de chorosa endeixa*
Lamenta os sonhos que já tive outrora.

Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
– Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos – a minh’alma é triste!

III

Minh’alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce canto o sabiá do mato!

E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!

Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.

Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços,
Ambos choramos, mas num só gemido!

Dizem que há gozos no viver d’amores,
Só eu não sei em que o prazer consiste!
– Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri – mas a minh’alma é triste!

IV

Minh'alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!

A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
– Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.

De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s’reia
Que em doce canto me atraiu na infância.

Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
– Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!

Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste!
– No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores – a minh’alma é triste!


Casimiro de Abreu
(Barra de São José- RJ-1839-1860)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Rita Levi-Montalcini



Médica e investigadora italiana.
Não são muitas as mulheres que já receberam o Prémio Nobel da Medicina, mas, para lá desse prestigiado prémio, toda a vida de Rita Levi-Montalcini é recheada de interesse.
Nasceu em Turim, numa família judia,a 22 de abril em 1909 e teve uma irmã gémea.
Rita e os outros três irmãos tiveram uma infância feliz. Rita cresceu, estudou e foi para um colégio, com a irmã. Paula enveredou pela carreira artística, a irmã mais velha Nina, casou e foi dona de casa a tempo inteiro e Rita refugiou-se na leitura. Leu Virginia Woolf e Selma Lagerlöf. Frequentou a Universidade de Turim seis anos. Mais tarde recordaria a sensação estranha que teve a primeira vez que entrou num Instituto de Anatomia. Havia mais cinco alunas no seu curso. Rita tinha de estudar os cadáveres e perscrutar os tecidos através do microscópio. Levou o seu curso de Medicina muito a sério e depois optou pela investigação.
Pesquisou as células e suas mutações, bem como os nervos sensoriais.
De 1945 a1947 foi assistente do Prof. Levi, em 1947 partiu para Washington para a Universidade de Saint Louis, onde passou grande parte da sua vida de investigadora.

De 1945 a1947 foi assistente do Prof. Levi, em 1947 partiu para Washington para a Universidade de Saint Louis, onde passou grande parte da sua vida de investigadora. Continuando os estudos sobre o sistema nervoso chegou à descoberta de uma proteína que regula o crescimento dos tecidos, a que foi dado o nome de Nerve Grrowth Factor (NGF).
Em 1986 recebeu o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina, partilhado com Cohen.

Tem dupla nacionalidade. Italiana e norte-americana. O contributo de Rita Levi-Montalcini no campo da neuro-ciência é assinalável.
É presidente honorária da Associação Italiana de Esclerose Múltipla.



Em 22 de abril de 2009 Rita Levi-Montalcini, completou 100 anos e continua trabalhando em pesquisas.

Comentários dela mesma:

Sobre o mal afirma: “O mal é o desejo excessivo do próprio bem-estar e desinteresse pelo bem comum”.
Sobre sua idade: «Cem anos? É a idade ideal para fazer descobertas. Nunca aposente seu cérebro. Eu trabalho dia e noite com uma equipe extraordinária. No European Brain Research Institute (EBRI), eu e meus jovens colaboradores estamos aprofundando os estudos sobre o NGF que acompanha o desenvolvimento do ser humano do período pré-natal até a velhice. Estes trabalhos poderão ser úteis para combater as doenças neurodegenerativas e desenvolver um fármaco contra o mal de Alzheimer».

"O segreto da minha vitalidade é que eu vivo continuamente ocupada na pesquisa científica e nos problemas sociais. Não tenho tempo de pensar em mim mesma.”


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"Meu cérebro tem um século... mas não conhece a senilidade..O corpo se enruga, não
posso evitar, mas não o cérebro!"


- Mantenha seu cérebro com ilusões, ativo, faça com que ele trabalhe e ele nunca se degenerará.
- Viverá melhor os anos que vive, é isso o
interessante. A chave é: manter curiosidades,empenho, ter paixões....veja...não me refiro apaixões físicas especificamente...simplesmentetenha paixões.

Rita Levi-Montalcini

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Viagem...



O tempo que navegaremos os quatro cantos da terra não se calcular. Viajar é uma arte de admirar. É amar loucamente cada aspecto do caminho. É ir em peregrinação, participando intensamente de coisas, de fatos, de vidas com as quais nos correspondemos desde sempre e para sempre. Para qualquer lado que vá, tudo será maior que qualquer sonho.

Há um momento feliz em todas as viagens: quando na bruma da distância já se advinha a presença dos amigos, quando se descobre o primeiro sorriso de boas-vindas e o coração se emociona sobre o primeiro ramos de flores.

Perguntaram-me para onde vou agora. Quem sabe para onde vai? Caminhamos sobre enigmas. Já deixamos para trás o sol enterrado no deserto; já descobrimos as estrelas e a lua veio ao nosso encontro.

O que me espera não sei.


Cecília Meireles
(Seleção de textos)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

La vida, instrucciones de uso



"Yo pienso que todo esto no se corresponde con mi personalidad. Yo no soy vanidoso. Y esto es un regalo para los vanidosos, que se vuelven locos con los agasajos. Yo lo veo como desde fuera. Lo veo fríamente. Lo he pasado bien y lo estoy pasando bien. Pero soy el mismo. El mismo que se ríe hasta de sí mismo."

La literatura

"Yo digo que la literatura es lo esencial, lo básico. Todo lo que no sea literatura no existe. Porque, ¿dónde está la realidad? Un árbol lo es porque uno lo está nombrando. Y al nombrarlo está suscitando la imagen inventada que teníamos. Pero si no lo nombras el árbol no existe."

"Yo he escrito desde siempre; claro, primero serían pavadas, tonterías, pero siempre estuve escribiendo. El sentido de mi vida está en la literatura, esa es la verdad y creo que la literatura es la verdadera realidad. A la vejez última he descubierto que eso de literatura y realidad es una falsa contraposición, la realidad es la literatura. La realidad real, no es real, no existe."


La infancia

"La realidad básica es la de la infancia y la adolescencia, y el resto va acumulando cosas, pero son esos tiempos los que de modo tácito siguen en nosotros. Y uno puede sacar o no sacar de ese baúl."

El secreto de su longevidad

"Influyen la biología, la suerte y la fortaleza de ser sincero consigo mismo... La mala conciencia inquieta y no deja vivir. Si uno no ha obrado bien puede que viva atormentado. Y yo no tengo nada de lo que arrepentirme."

La muerte

"Casi desde que nací tuve conciencia de la muerte, esa fatalidad que tarde o temprano a todos nos afecta. Hay que aceptarla, guste o no guste. A veces he podido entender a los que se suicidan. Incluso les he podido respetar. Pero yo he aguantado todo lo que tenía que aguantar. Y no ha sido poco."


Inmortalidad

"No, no creo en la inmortalidad, ojalá. Creo en la literatura, que es lo mismo que la vida para mí. Viviré algo más en mis libros, durante algún tiempo, y ya está. Ésa es toda la inmortalidad a la que aspiro."

Felicidad

"¿Que si he sido feliz? Yo no tengo una escala para medir la importancia de las cosas en mi vida, o para decir fue mejor esto o lo otro. Pero sí puedo decir que este momento en el que estoy con ustedes es un momento de felicidad para mí; que haya tantas personas interesadas en lo que soy yo y en lo que ha sido y será mi vida, me emociona."

Su recuerdo

"Que me recuerde cada uno como le dé la gana."


Dados; El País.

Francisco Ayala
(Francisco Ayala García-Duarte (Granada, Espanha, 16 de março de 1906 - Madrid, 3 de novembro de 2009)

Claude Lévi-Strauss


(Lévi-Strauss by Pablo Secca)

“Um espírito malicioso já definiu a América como sendo uma terra que passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. Poderíamos com mais razão aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo: vão da frescura à decrepitude sem se deterem na antiguidade”.

Claude Lévi-Strauss

Bruxelas, 28 de novembro de 1908 — Paris, 30 de outubro de 2009)
foi um antropólogo, professor e filósofo francês. É considerado fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.

Professor honorário do Collège de France, ali ocupou a cátedra de antropologia social de 1959 a 1982. Foi também membro da Academia Francesa - o primeiro a atingir os 100 anos de idade.

Desde seus primeiros trabalhos sobre os povos indígenas do Brasil, que estudou em campo, no período de 1935 a 1939, e a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949, publicou uma extensa obra, reconhecida internacionalmente.

Dedicou uma tetralogia, as Mitológicas, ao estudo dos mitos, mas publicou também obras que escapam do enquadramento estrito dos estudos acadêmicos - dentre as quais o famoso Tristes Trópicos, publicado em 1955, que o tornou conhecido e apreciado por um vasto círculo de leitores.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Al Martino



O cantor americano de origem italiana Al Martino, intérprete de baladas populares como "Spanish Eyes" e "Volare" e que atuou como o cantor de casamento no filme "O Poderoso Chefão"(1972), faleceu aos 82 anos, informa o jornal Philadelphia Inquirer.

Al Martino - cujo nome verdadeiro era Alfred Cini - morreu na terça-feira (13/10/2009) na Filadélfia (Pensilvânia), cidade em que foi criado, segundo Jerry Blavat, um amigo do cantor.

O Philadelphia Inquirer não informa as causas da morte do artista.

Al Martino foi muito famoso nas décadas de 1950 e 1960. Sua carreira teve como ponto alto o ano de 1965 com a música "Spanish Eyes", que se tornou um grande sucesso.


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Breve Explicação do Sentido da Vida



Como exprimir em duas linhas o que venho tentando explicar já não sei em quantos livros? A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação. Toda a «filosofia da vida» tem de aspirar à mútua integração destes contrários. Com uma transcendência divina, a integração era fácil. Mas mais difícil do que o absurdo em que nos movemos seria justamente essa transcendência. Há várias formas de resolver tal absurdo, sendo a mais fácil precisamente a mais estúpida, que é a de ignorá-lo.
Mas se é a vida que ao fim e ao cabo resolve todos os problemas insolúveis - às vezes ou normalmente, pelo seu abandono - nós podemos dar uma ajuda. Ora uma ajuda eficaz é enfrentá-lo e debatê-lo até o gastar... Porque tudo se gasta: a música mais bela ou a dor mais profunda. Que pode ficar-nos para já de um desgaste que promovemos e ainda não operamos? Não vejo que possa ser outra coisa além da aceitação, não em plenitude - que a não há ainda - mas em resignação. Filosofia da velhice, dir-se-á. Com a diferença, porém, de que a velhice quer repouso e nós ainda nos movemos bastante.


Vergílio Ferreira,
in "Um Escritor Apresenta-se"
Escritor/Ensaísta/Professor
(Portugal-1916-1996)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

NOS CORREDORES DA VIDA


(Labirinto de Longleat- Reino Unido)

as gargantas secas emudecem
os fortes alcançam as montanhas
neles
há labirintos sem traduções
e traduções de labirintos.


Nos corredores da vida
há monges sem preces
e preces que o vento apagou.


Nos corredores da vida
tu e eu
nos debatemos em suas paredes
às vezes sombrias
às vezes aquecidas dos longos invernos.


Ah, nos corredores da vida!
e eu que ainda tenho tantas lagrimas
para derramar la.


E eu que entrei tão devagarinho
dentro dele
vestida de catedrais
e empunhando lanças de guerreiro
e trazendo lanternas
porque a cegueira dos caminhos
já se faz presente. . .



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Voeu



Si j'étais la feuille que roule
L'aile tournoyante du vent,
Qui flotte sur l'eau qui s'écoule,
Et qu'on suit de l'oeil en rêvant ;

Je me livrerais, fraîche encore,
De la branche me détachant,
Au zéphyr qui souffle à l'aurore,
Au ruisseau qui vient du couchant.

Plus loin que le fleuve, qui gronde,
Plus loin que les vastes forêts,
Plus loin que la gorge profonde,
Je fuirais, je courrais, j'irais !

Plus loin que l'antre de la louve,
Plus loin que le bois des ramiers,
Plus loin que la plaine où l'on trouve
Une fontaine et trois palmiers ;

Par delà ces rocs qui répandent
L'orage en torrent dans les blés,
Par delà ce lac morne, où pendent
Tant de buissons échevelés ;

Plus loin que les terres arides
Du chef maure au large ataghan,
Dont le front pâle a plus de rides
Que la mer un jour d'ouragan.

Je franchirais comme la flèche
L'étang d'Arta, mouvant miroir,
Et le mont dont la cime empêche
Corinthe et Mykos de se voir.

Comme par un charme attirée,
Je m'arrêterais au matin
Sur Mykos, la ville carrée,
La ville aux coupoles d'étain.

J'irais chez la fille du prêtre,
Chez la blanche fille à l'oeil noir,
Qui le jour chante à sa fenêtre,
Et joue à sa porte le soir.

Enfin, pauvre feuille envolée,
Je viendrais, au gré de mes voeux,
Me poser sur son front, mêlée
Aux boucles de ses blonds cheveux ;

Comme une perruche au pied leste
Dans le blé jaune, ou bien encor
Comme, dans un jardin céleste,
Un fruit vert sur un arbre d'or.

Et là, sur sa tête qui penche,
Je serais, fût-ce peu d'instants,
Plus fière que l'aigrette blanche
Au front étoilé des sultans.

Victor Hugo
(1802-1885)
Recueil : Les orientales

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Primavera




A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.
A inclinação do sol vai marcando outras sombras;
E os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra,
nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes
e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa,
como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as
árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas
apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não
se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as
amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram
pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas
de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega,
coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços
carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a
terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens
terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes
deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão
outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os
ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.


Cecília Meireles

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Senhora das Flores


(Uma cronica de Fernando Campanella)


Está agendado lá no calendário: dia 22 de setembro de 2009, precisamente às 18h19, ela chega, a senhorinha das flores. Vem um pouco adiantada neste ano, visto que oficialmente deveria aparecer no dia 23 de setembro.

É uma senhora vetusta, mas obstinada e dura na queda, sempre atuante entre os equinócios de primavera e os solstícios de verão. Tão velhinha, sim, porém sempre aprumada, aromática, a trazer no rosto, por sobre as espessas rugas, um mais suave tom em carmim.

Tão prestimosa, não obstante a concreta frieza das cidades e a dureza dos homens.

Tão dinâmica, um espetáculo de vitalidade e vibração, colocando muitos jovens no chinelo. Nem bem chega e já derrama as chuvas, põe a trabalhar os campos e os jardins. Guarnece os caminhos e os canteiros de margaridinhas, gérberas, jasmins, manacás... Espeta as abelhas e as borboletas preguiçosas. Espanta os filhotes de pássaros das cornijas, instruindo-os a voar.

E tão invasiva, essa anciã: escancara minhas janelas, arregaça minhas mangas, botando -me a espanar as teias, a varrer as folhas residuais do inverno. E ainda faz mote de meus ares introspectivos, de minha ficção outonal.

No dia 22, às 18h19, pois, ela chega, deliciosamente incômoda, assertiva, anunciando que com ela não tem tempo frio, nem árvores secas.

E novamente trará seu antigo, imenso barco onde me acomodará. Içará então as velas, e com seu invejável fôlego me tornará redivivo, despachando-me para mares do sul com seus luminosos jardins de coral.


Fernando Campanella

Feliz Ano 5.770 !!!



Minhas sinceras homenagens a todo povo judeu, Feliz Ano 5.770,
שתהיה לך שנה מתוקה נפלאה ומלאה בדברים טובים

שנה טובה

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Despedida


(Uma cronica de Rubem Braga)

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


Rubem Braga
Extraído do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83.