Hoje, Sunny Arthur me visitou! Eu o recebo com um fraterno abraço e beijos. Digo-lhe sempre que é muito bem-vindo. Ele me diz que, pela primeira vez, notou o tapete na porta de entrada do apartamento: lá, aonde leu “Bem-vindo”.
Abraço meu filho como se fosse pela última vez; como se fosse nosso último e sempre prazeroso encontro.Assim tem sido por séculos e séculos, em nossa jornada, pelos universos que visitamos, ambos vestidos com diferentes cascas de nós.
Sua juventude transcende seu corpo! Seus olhos, curiosos e atentos, ouvem sobre minhas pequenas descobertas e meus grandes e inúteis lamentos. Ele faz perguntas; lê um belo poema e quer saber o que acho de tudo aquilo que dele depreendeu.
Conversamos sobre o fazer poético, a Arte Literária, as pretensões tantas dos homens que se dedicam à Teoria da Literatura... Aqueles que a defendem como Ciência; que acreditam poder dissecar poemas, como se tais fossem peças anatômicas de um cadáver conservado em cubas de formol.
Conto-lhe um pouco de minhas tantas e tontas desventuras acadêmicas; das minhas aventuras oníricas; falo de passados e presságios. Ele parece me ouvir encantado. Discreto, mira meus movimentos, acompanha meus passos; observa minha postura e atitudes.
Eu sinto sua Alma aproximar-se da minha - como as daqueles outros viajantes, companheiros e cúmplices de tarefas e ardis quânticos.
Do comentar de simples afazeres cotidianos, saltamos para ilações metafísicas - com a naturalidade dos pássaros
que buscam abrigo, à tardinha, nas árvores de parques tranqüilos; daqueles que ao centro abrigam grandes lagos serenos.
Quando o acompanho até o carro, nos despedimos como se fosse mais uma última vez. Assim tem sido; assim nos buscamos e nos despedimos ao longo dos séculos.
Nossos corpos e nossas situações têm assumido posturas, estágios e estampas diversas. Mas a ternura sobrepõe-se a quase tudo. Nossas dúvidas, e ainda tão poucas certezas, têm sido dirimidas e distribuídas por anos seguidos de seres e estares vários.
Nós nos entendemos e entretemos sem que sejam necessários verbos explícitos. Pai e Filho; Filho e Pai; Inimigos e Irmãos, nos reencontramos e, de certa discreta forma, nos cumprimentamos como se fosse pela primeira ou pela última vez.
Essa convivência, que atravessa milênios; que nos veste e despe de formas diversas em situações que nunca nos são de todo estranhas, tem sobrevivido a tempestades, borrascas, e à desvairada alegria que, neste nosso mais recente encontro, quase apaga lembranças que o tempo próximo passado apenas a um de nós permite guardar.
Ele, por exemplo, não se lembra de que, ao presenteá-lo com uma filmadora, o levei para uma praia deserta e fiz com que, ao utilizar a câmera pela primeira vez, gravasse a imagem daquilo que eu havia escrito na areia banhada pelas águas do nosso favorito Oceano: “Sabedoria!”.
Ele, ainda nesse mais recente encontro, porém mais velho, talvez não se lembre que me salvou a vida: exatamente no mesmo Atlântico que me arrastava para o fundo. Em que outro estágio, da História Cósmica, teria eu salvado sua vida?
Como em outros universos, neste conversamos sobre coisas e causos; trocamos impressões... Falamos, sem rancor,das pessoas que não gostam de nós e, com singular prazer, daquelas que nos amam.
Quando pela primeira vez conversei com ele, neste universo, ele ainda não havia nascido. Então, falamos numa língua (Inglês) que não era aquela que lhe esperava ao nascer. O relato desta minha onírica experiência o emocionou.
Noutro dia, no alto de um edifício, sentados numa ampla varanda, conversamos sobre a mais antiga diáspora que este planeta conhece: a do Povo Cigano! Depois, falamos dos Celtas, do seu alfabeto, do Novo Testamento e das tantas metáforas do Velho.
Um ao outro (ou uns aos outros), temos tanto a contar que uma única Vida não basta. O Tempo na Terra é curto: passa como um pássaro em busca de abrigo quando surpresa lhe faz a chuva.
Às vezes me sinto seu filho; noutras me sinto avô! Se inimigos fomos noutra época, motivos havidos para tanto se diluíram na poeira dos astros. Nesse atual reencontro, há uma nova melodia que nos embala e abençoa...
Quando nos abraçamos, sabemos tudo, absolutamente tudo aquilo que ainda não conseguimos compreender nem verbalizar. Nesse abstrato universo, apenas uma sinfonia nos é permitida ouvir. Solerte e solene, ela se impõe e nos acalenta. Quando nos olhamos, compreendemos que somos cúmplices na eterna idade.
*Jairo De Britto.
Ilha de Vitória, Espírito Santo (Brasil)
- 23.Maio.2008 -