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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Parabéns Agustina Bessa-Luís, 86 anos hoje.

Hoje, Agustina Bessa-Luís, uma das mais consagradas escritoras portuguesa, está completando 86 anos de idade, escolhi um texto de Inês Pedrosa, para homenageá-lá.


A POESIA CARNAL DE AGUSTINA
por Inês Pedrosa


«Cada voz está só e é única e é contra o coração dos outros, vertiginosamente, que ela ressoa». Esta frase de Agustina acompanha-me todos os dias. Ilumina as tragédias dos telejornais como a tristeza quotidiana da mulher que confessa à amiga a sua decepção, numa mesa de café. As mulheres desiludem-se, ao contrário dos homens, que são ensinados a viver sem ilusões. Às mulheres, ensina-se-lhes a viver sem tudo menos isso. Por isso as mulheres são especialistas em sobrevivência: é-lhes muito difícil perder a esperança, uma nesga de esperança que seja. Há dias, um amigo dizia-me que a razão pela qual os homens mandam no mundo é o cuidado que têm em evitar conflitos directos. À primeira vista, isto parece uma qualidade – mas significa na realidade um exercício constante de desvio face às pequenas, médias e grandes iniquidades. Sublinho que foi um homem quem me explicou isto – e esta explicação responde a uma das afirmações mais repetidas acerca da obra de Agustina: a de que as mulheres têm nos seus livros uma força muito maior do que os homens. Os livros de Agustina têm a arte de ser ampliações da vida, isto é, frescos da existência pintados do ponto de vista da duração, entendida do ponto de vista do filósofo Henri Bergson – o correr do tempo uno e indivisível. Agustina consegue ver o passado à transparência do presente e antecipar o futuro, porque não se perde no microcosmos do tempo físico. Atinge o precário e o eterno para lá do teatro das aparências, sem se deixar encandear pela linearidade dos relógios. A sua leitura é, por conseguinte, uma experiência metafísica – ou poética.

Há meses, Eduardo Lourenço decidiu definir poesia através da leitura integral de uma página ao acaso de um romance de Agustina. Terminada a leitura, disse apenas: «isto é a poesia». Momento particularmente comovente porque se tratava de uma sessão em que o homenageado ( pela revista de poesia «Relâmpago») era o próprio Lourenço. Em qualquer página de Agustina encontraremos qualquer coisa que nos diz respeito e nos consola – nem que seja pelo riso, ou pela partilha do desespero. Cada voz está só e é única, sim – o mérito de Agustina começou por ser o da escuta, a que se habituou desde menina, beneficiando da liberdade concedida pela falta das expectativas dos adultos ácerca dela – havia um rapaz na casa, o seu irmão, e desse é que se esperavam as grandes coisas. Desenvolveu uma capacidade empática profunda com toda a espécie de criaturas, uma capacidade despida de preconceitos e julgamentos. Deixou-se fascinar pelas relações humanas que analisa ao microscópio, com o olhar clínico e cândido de quem está disposto a aceitar todas as surpresas que a vida traz.

Uma das injustiças que lhe foi feita foi o rótulo de «conservadora» ou mesmo «reaccionária» que criou um cerco de solidão em seu redor, prejudicando-lhe muito a merecida repercussão internacional. Algumas vozes, porém, ousaram furar este cerco, que chegou a ser feroz, antes do 25 de Abril. Uma dessas vozes lúcidas e corajosas foi a de José Saramago, que escrevia sobre Agustina, em Janeiro de 1968, na revista «Seara Nova», o seguinte: « Como é possível, resistindo e opondo-nos embora no plano das ideias e da sua prática, não ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que não tem igual na literatura portuguesa deste tempo? Como é possível ficar indiferente a certas bruscas iluminações que vão mais longe e mais fundo, no sentido do conhecimento de si e do outro, que todo o material de análise que comumente manuseamos? Como é possível não reconhecer e declarar que se há em Portugal um escritor onde habite o génio ( vá esta palavra, ainda que perigosa e equívoca) esse escritor é Agustina Bessa-Luís?».

Nenhum grande escritor pode ser um «conservador» ou um «revolucionário», porque o que faz um grande escritor é, antes de mais, esse dom de liberdade que não se compadece com classificações. Diz Olga Rodom, em As Fúrias (1977): «A liberdade é uma serpente que rasteja como a inveja primeiro, e depois açoita como a vingança». Sim, a liberdade açoita inexoravelmente as limitações mentais de cada época, expondo-as em carne viva. O pensamento de Agustina não se deixa pastorear, e é isso o que, muitas vezes, ainda hoje, não lhe perdoam – mesmo na hora da consagração, escamoteia-se-lhe o desassossego, a irreverência e a ultra modernidade. Agustina não é uma senhora de alento que escreve uns romances serenos sobre as gentes das margens do Douro. É, isso sim, uma prodigiosa intérprete das motivações humanas. Ninguém como ela entendeu e escreveu sobre o poder, a paixão, o desejo e os seus maravilhosos desastres. No seu último romance, A Ronda da Noite (2007), define com exactidão «os novos feudais»: «A verdade é que os novos feudais estavam a apoderar-se de regiões até aí proibitivas, mas que se mostravam preparadas para os receber. Os media, as revistas de lazer e laudatórias do grande empresário; e toda uma fileira da direita liberal, enfim verdadeiramente segura de que a hora tinha chegado.» E conclui: «Afinal a revolução não emancipara os pobres, os infelizes, só os tornara menos anónimos. Lamentavam-se como crucificados, mas faltavam os meios para os descer da cruz». Quem quiser compreender as engrenagens que movem Portugal e os portugueses, tem de ler Agustina. Está lá tudo, sobretudo o que ainda não se vê.

Não esqueço que uma das suas últimas intervenções públicas foi o apoio à lei da interrupção da gravidez. Logo no início de A Ronda da Noite, morre Patrícia Xavier, aos quarenta anos, em meados do século XX: «Não se podia imaginar que ela morrera dum aborto mal sucedido, mas foi assim. (...) Um aborto não era tão extraordinário e sobretudo depois dos quarenta anos as mulheres recorriam aos médicos para se recomporem dum acidente que, na verdade, tinham previsto mas não acautelado». O doutor Horácio soluçou de raiva sobre o corpo dela, porque Patrícia recorrera a ele «já desfeita por dentro como uma mulher de má vida às mãos de uma abortadeira vulgar, dessas que só falam dos netos lindos que têm e que respiram a virtude do matrimónio» Pobre doutor Horácio. «Tinha pena das mulheres, sempre a sangrar, sempre avariadas de dentro, carregando a cruz do sexo, maior que a de Cristo. Não perdoava que fossem tão mal feitas para o amor, com buracos a mais, sempre a desfazerem-se de medo, de sofrimento, e, no entanto, “prontas para outra”, batendo fortemente os tacões com a vitalidade das suas entranhas que até lhe saíam pelos olhos radiantes. E depois escreviam versos, as pobres coitadas! Todavia, quanto poder no sangue do seu ventre!»

Insisto em citar o seu último romance, não só porque o considero uma obra-prima, mas porque me parece que a fama de A Sibila (1954) acabou por curto-circuitar o entendimento da obra de Agustina. A figura poderosa da Sibila colou-se à autora e tornou-se um estereótipo de compreensão, preguiçoso e falso como todas as ideias-feitas. Ora se os livros iniciais de Agustina são já esplendorosos de sabedoria e notáveis pela reinvenção implosiva da língua e da arte de contar, os romances das duas ou três últimas décadas, à razão de um por ano – além dos volumes de crónicas e ensaios, igualmente importantes – levam esse esplendor a cumes nunca antes experimentados, filosofica e estilisticamente. A escrita tornou-se-lhe mais solta e clara. A própria Agustina o sentia, e dizia-me: «já não tenho que provar nada a ninguém». A intuição, a curiosidade e a experiência do mundo cresceram exponencialmente nela, ao longo do tempo.

Ninguém como ela é capaz de descrever a força erótica que rege o universo. Em A Quinta-Essência ( 1999) escreve: «O sexo é uma matéria inteligente e pode ter um efeito mortal». Contra as ideias comuns sobre a sexualidade dos homens e das mulheres, escreve: «O abismo do entendimento entre o homem e a mulher radica no facto de que para a mulher o sexo é uma verdade. Quanto ao homem, ele nunca encarou a verdade como qualquer coisa impossível de ser mudada.» E analisa: «O trabalho ocupa nas quedas eróticas um papel primordial. Em geral, quando se diz trabalho quer-se dizer falta de recursos para ser amado. Tudo gira em volta dum erotismo que não é descoberto senão quando já é demasiado tarde e as pessoas estão à beira da morte, estropiadas ou meio imbecis. E dizem que o trabalho as envelheceu e tornou num farrapo. Mas é o coração que foi batendo sem qualquer resultado; é o coração que abre sulcos na pele, cria verrugas, endurece as unhas». Em Prazer e Glória (1988) recordava: «Não há império maior do que o que se tem sobre os vícios dos outros». Em A Ronda da Noite, avisa: «A perfeição não é erótica. É o erro que é erótico e não a beleza». Os seus aforismos só formalmente são ocidentais – ou seja, vestidos de lógica e de uma coloquialidade reflectida. Interiormente, correspondem à cintilação imprevisível e amoral do haiku. Para lá deles, sobrevivem as suas inesquecíveis personagens. A que mais íntima se me tornou é Maria Pascoal, protagonista de Um Cão Que Sonha (1997), que dizia: «Nasci adulta, morrerei criança». É esse o trajecto de qualquer escritor digno desse nome, isto é: alguém que procure nas palavras o caminho doloroso da verdade, e que consiga preservar a inocência de mergulhar a fundo no seu contrário. Agustina fez isso, e muito mais. Ofereceu-nos o entendimento das múltiplas almas que cada existência comporta. E deu-nos a possibilidade da beleza, que é a coisa mais difícil, íntima, imperfeita e consoladora que existe.


(Nota: este texto foi escrito e publicado na revista comemorativa da 11º edição do encontro de escritores Correntes d'Escritas em Fevereiro de 2010 na cidade da Póvoa de Varzim. Agustina Bessa-Luís faz anos hoje- 15/10/2010)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Igor Oistrakh

April 27, 1931 - Odessa, Ukraine

The Ukrainian violinist (and conductor), Igor (Davidovich) Oistrakh (Russian: Игорь Ойстрах), is the son of the great violinist David Oistrakh. As a small boy he was taught to play violin, but his studies were interrupted and resumed only in 1943 under the guidance of Professor Pyotr Stolyarsky, an outstanding Soviet teacher. Later Igor finished as a brilliant pupil the Central Music School where his teacher was V. Merenbaum, and made his concert debut in 1948. His father David exercised the decisive influence on the development of the young artist's personality: it was under his guidance that Igor continued his studies at the Moscow Conservatory from 1949 to 1955 and took a post-graduate course. In 1949, at 18, Igor won the first prize at the International Violinists' Competition of the Youth and Student Festival in Budapest. The International Wieniawski Competition in Poznań brought him in 1952 a similar award.

Igor Oistrakh appears with unfailing success in the Soviet Union and abroad, inspiring enthusiastic press notices. His western debut took place at the Royal Albert Hall, London, and was followed by concert tours through the USA, Europe (Austria, Denmark, France, Britain, the GDR, Czechoslovakia), the USSR, Canada, South America, Japan and Australia. He has performed with the world's greatest orchestras under renowned conductors as Otto Klemperer, Reiner, Herbert von Karajan, Eugene Ormandy, Carlo Maria Giulini, Georg Solti, Lorin Maazell, Zubin Mehta, Seiji Ozawa, Rozhdestvensky and others, and his father, David Oistrakh. For 27 years, he played in a unique duo with his father, making several recordings together. Three times Igor was a participant of the festivals founded by Pablo Casals, who enjoyed their joint performances and highly apprlciated Soviet musician's skill. Igor has also given concerts with Yehudi Menuhin. The critics admire warm expressiveness of his violin, precision of his phrasing, his stern style, nobleness and virtuoso technique. Some critics even regard him as equal to his father in virtusity. He is noted for his lean, modernist interpretations. He has recorded for EMI, Deutsche Grammophon, Decca, RCA, Collins, Melodiya, and Art and Electronics.



(Igor with his father David Oistrakh)


Following his father's death in 1974, Igor Oistrakh continued the family tradition with his son Valery, also a prize winning concert violinist. Igor's wife, Natalia Zertsalova, is his duo pianist and together they have been awarded Honorary Membership in the Beethoven society in Bonn for their recording of the complete Beethoven Sonatas. They were also awarded the "Weiner Flotenuhr" by the Vienna Mozart Academy for their recording of the complete Mozart Violin Sonatas.

Since 1968 Igor Oistrakh has also conducted chamber and symphony orchestras as well as performing as a viola player. He is known as a conductor directing Soloists Ensemble of the Moscow Philharmonic Symphony Orchestra. Together they recorded Arcangelo Corelli's Concerti grossi, J.S. Bach's Brandenburg Concertos (BWV 1046-1051), W.A. Mozart's Slnfonla Concertante in E flat major for Violin and Viola and Serenade No.13 in G major for strings (Eine kleine Nachtmusik).

(Igor and your son Valery Oistrakh)

In 1958, Igor Oistrakh joined the faculty of the Moscow Conservatory in 1958, becoming a lecturer in 1965. Since 1996 he has held the post of Professor of the Royal Conservatory in Brussels. He was awarded the title of People's Artist of the USSR in February 1968, and became an Honorary Member of the Wieniawski Society in Poznan. Other awards and appointments include Fellow of the Royal College of Music, London, Presidency of the Russian section of the European String Teachers Association, honorary member of the Beethoven Society in Bonn, Honorary member of the Jascha Heifetz Society and the Ysaye Foundation, Belgium, Honorary President of the Cesar Franck Foundation in Belgium and member of the jury of the most prestigious violin competitions such as Tchaikovski, Queen Elisabeth, Wieniawski and Carl Flesch.
The asteroid 42516 Oistrach was named in his (and his father's) honour.



Three generations of great violinists, unqualified success.

Um texto de Pablo Neruda.

...Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ...

Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ...
Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ...
Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ...
Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ...

Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ...
E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ...

Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ...

Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ...

Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ...

São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ...
Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .

Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais,se viu no mundo ...

Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada...

Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma.

Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.

(Do livro "Confesso que Vivi — Memórias",´Pablo Neruda)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

AO EU POETA OBSCURO*

Meu caro eu, meu poeta obscuro, se as portas se fecham, acalma o coração que o Todo deseja. Deixa supurar o mar da fúria. Eu sou essa fúria espalmada, aquele caracol que de teu limbo escapa. Um ângulo da alma, um certo abismo que te chama. Mas não te deixes sorver por essa força que te toma. Aceita, escreve... E lembra-te: lesmas, abelhas, abismos não são propriamente aos quinze minutos de fama destinados.

Se a poesia te chama, empenha-te em colocá-la para fora com as ferramentas que te servem. E aos ouvidos que te pedem, fala...

Entra em bons termos com a mágoa. E que tua alma acolha mais e mais a dor dos elefantes...

Achega-te a mim, a tua secreta verdade...

Sente como é bom pernoitar no coração dos amigos que te acolhem, te apalpam. São eles teus termômetros, tuas asas.

Vai ao teu jardim, ama tuas flores, observa aquela luz que as ilumina e se transfigura em tua alma. A beleza são esses achados, um certo conciliar entre o sentido que enxerga e as inesgotáveis manifestações da alteridade. É o paradoxo encantado, ilusão que nos diz que não existimos sem o mundo, e este não vive sem nossos olhos. Expressa essa beleza que é essência, que ao espírito remete.

No mais, os dias passam, o sol diminui no ocaso seu passo. E tudo volta, com o novo dia, ao seu antigo hábito.

Ah, escreve para os elefantes. Dizem que eles não esquecem. Assim tua alma inteira irá se aquientando em tua casa...

Fernando Campanella



*Maravilhoso texto, do especial amigo, poeta, e professor mineiro, Ferando Campanella.
Enjoy.